pequeno conto de amor







Estava ali. Sentada naquele banco, atirando pipocas aos pombos, como se quisesse atirar junto seus problemas ou a própria vida. Tinha um bom emprego, uma casa confortável e até estava saindo com uma cara legal, mas também tinha um vazio que não sabia como preencher.

Levantou-se de cabeça baixa, saiu arrastando os pés, mexendo no celular e então esbarrou nele, o jogou no chão. Pediu desculpas, atordoada estendeu a mão para ajuda-lo a levantar, sem resposta. Percebeu a gafe, ele não enxergava e deu um suspiro de alívio por ninguém tê-la visto nessa cena patética com a mão estendida para um cego. Abaixou-se e o pegou pelo braço e se desculpou mais uma vez. Ele era cego há muito tempo, desde a infância. Estudava música e fazia aulas de dança em uma escola de artes ali perto da praça.

A convidou para acompanha-lo. Ela estava atrasada, tinha uma reunião, porém não foi. Não queria que ele pensasse que ela tinha inventado um compromisso como desculpa para não aceitar o convite dele. Estava desconfortável com toda aquela situação, media as palavras, controlava os gestos, nunca tinha convivido com alguém que não enxergava antes.

Subiram as escadas do estúdio. Era um lugar mágico, no meio daquela cidade que nunca dorme um canto de paz. A tirou para dançar. Ela sempre quis aprender, porém nunca teve tempo. Esteve sempre ocupada em ser o mais bem sucedida possível. Ela dançou. Dançou pelo salão junto com o estranho que derrubou minutos antes no parque. Ele não a via e isso a deixou mais confortável. Já não era jovem e o dia-a-dia tinha levado o frescor de sua pele. E ele, era belo como um anjo.

A aula acabou e vários dias de encontros se seguiram. A vida dela ficou mais leve, mais alegre e o vazio foi preenchido. E naquele estúdio se fez seu paraíso. A felicidade não cabia nela. Ele precisava de sua companhia para ir a vários lugares e ela gostava dessa sensação.

Mas certas coisas não foram feitas para serem eternas e ela teve certeza disso no instante em que ele contou que havia decidido fazer a cirurgia para recuperar a visão. Ele podia fazer essa cirurgia há muito tempo, contudo não tinha tido motivo para correr o risco. Agora o motivo era ela. Ela era feliz com a vida do jeito que estava, não quis desagrada-lo, fingiu felicidade. Para sua sorte ele não podia ver a tristeza estampada em seu rosto.

Na antessala do hospital chorou baixinho e foi abraçada pela mãe dele, não se conteve, desabafou... tinha medo que ele a achasse velha, feia, que o encanto se acabasse. A mãe dele apenas a abraçou. Era só o que ela precisava.

Saiu caminhando sem rumo e acabou na praça. Sentou-se novamente naquele banco, olhou para os próprios pés e não teve coragem de levantar a cabeça. Um rapaz sentou ao seu lado e comentou do longo tempo que não se viam e lamentou a ausência dela. Era o rapaz com quem ela se encontrava antes de conhecer ele.

Estava tão apaixonada por ele que nem se lembrou de dar uma justificativa para o rapaz. Então ela se desculpou, se explicou, desabafou. O rapaz disse que ela devia confiar no amor, se despediu e falou que ela podia contar com ele. Era um bom homem, mesmo ela não tendo tido nenhuma consideração, o rapaz ainda se punha a disposição dela. Ela viu o amor nos olhos do rapaz e se sentiu reconfortada.

Dias depois ele tirou os curativos. Primeiro viu vultos, aos poucos os contornos, então ele a viu e ela era como ele imaginava e ele foi feliz naquele momento. Ela não. Ela se sentiu desnuda, invadida, enganada. Tinha mostrado a ele o mais profundo de sua alma, do seu amor, sem medo de ser julgada, mas o olhar dele quebrou todo o encantamento que ela sentia, desmanchou tudo que era especial para ela.


Aos poucos foram se afastando. Ele já não precisava dela para ir a todos os lugares, ele já não dependia tanto dela assim. Essa independência a machucava, então ela mergulhou no trabalho, em reuniões e mais reuniões até não ter tempo para fazer nada com ele. O amor se desfez...


Um outono se passou e ela se sentou na praça, com seu vazio mais uma vez... Então o amor veio em silencio, com passos lentos e a abraçou. Esteve esperando por ela todo esse tempo. Esperando ela permitir ser vista por dentro e por fora. Lhe deu a mão e foram caminhando, ela e o seu rapaz.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fragmentos sobre a loucura...